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Méliès: Parte 4 (de 5)

Queridos,

Acabei de ler as impressões de vocês sobre os filmes, logo após assisti-los. Acho que vocês disseram basicamente tudo o que eu pensei sobre eles, especialmente a respeito da figura do Méliès e o papel dele na história do cinema. Fiquei aqui pensando, enquanto via Viagem à Lua, em como seria assistir a esses filmes sem todo o repertório visual que temos hoje, e nessa parte, acho que os comentários do Diego sobre a Dorothy Maguire ilustram muito bem que sensações essas projeções deveriam provocar nas pessoas. Nesse ponto, me interessa muito refletir sobre a influência do cinema no imaginário coletivo desde os seus primórdios (esse é um dos pontos da minha pesquisa sobre representações de sexualidade e gênero ao longo da história do cinema) e em relação ao Méliès, pelo que temos lido, Viagem à Lua desempenhou um papel importante no imaginário popular do comecinho do século XX. Creio que se hoje -um século de imagens em movimento mais tarde- sendo o nosso repertório de referências imagéticas tão grande a ponto da cultura visual ter se transformado num campo teórico prolífico, ainda conseguimos nos relacionar com certas imagens de maneira tão forte a ponto delas se tornarem modelos representativos, imaginem em 1902, o que Viagem à Lua não deve ter sido, nesse sentido; como aquelas imagens devem ter alimentado a fantasia das pessoas. É claro que o cinema ainda tem esse poder, mas não consigo deixar de pensar no quanto deve ter sido maravilhoso, de uma forma assombrosa, se deparar com o nascimento de uma linguagem totalmente nova. Não consigo sequer imaginar essa possibilidade agora, não que ela não exista, mas é mais ou menos como imaginar o que seria cinema antes do cinema.
Também é interessante vermos o nascimento de um gênero: a ficção científica, claro, já apresentando várias de suas recorrências temáticas (Viagem à Lua é para o sci-fi o que O Grande Roubo de Trem foi é para o western). E também gosto de buscar leituras de discursos existentes ali: além de ser um belo entretenimento, Viagem à Lua também pode ser visto como uma crítica à sociedade francesa da Belle Époque, com sua expansão industrial e inovações tecnológicas (acho que é uma leitura a ser feita), assim como o encontro dos humanos com os selenitas (com seu figurino de exotismo tribal e seus gestos selvagens) pode representar o contato dos europeus com os povos considerados não civilizados (a França ainda possuía colônias na África, por exemplo). E esse ponto dá muito ponto pra manga, se acharem interessante desenvolver…
Mas bem, além disso posso reforçar que gostei muito dos comentários dos três (agora falta a Isa, né) e que acho que essas discussões contribuem demais para o que eu preciso pesquisar e estudar neste momento acadêmico. 🙂
Não vou falar especificamente dos outros filmes. O L’homme-orchestre nada mais é do que um número de ilusionismo e o Barbazul ainda era teatro demais, é claro, mas deve ter sido um espetáculo e tanto assistir a essas imagens.
Léo Tavares

Sobre Léo Tavares

Quando criança, eu pensava que o mundo nos tempos do meu avô era preto e branco. Mais tarde fui ao cinema e comprovei que era mesmo. Gostei. Também gosto de poesia, e onde mais a encontrei foi nos filmes: pressentida no trenó de Kane, irônica no crepúsculo derradeiro da Era Muda, tremeluzindo nos olhos de Giulietta Masina ao deixar para trás uma estrada, à espreita num jogo de xadrez com a morte... Mas também gosto de cores. Azul, branco e vermelho. É por isso que eu sou o louco do Kieslowski.

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